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Entenda a letra do samba-enredo de 2020 da Mangueira

Analisando letras · Por Renata Arruda

21 de Fevereiro de 2020, às 15:30

Em uma apresentação que homenageou os heróis negros e indígenas esquecidos da História oficial do Brasil, a Estação Primeira de Mangueira foi a grande campeã do desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2019.

Desfile da Mangueira no Carnaval 2019 no Rio de Janeiro
Desfile da Mangueira no Carnaval de 2019 / Créditos: Divulgação

Em 2020, a agremiação promete movimentar novamente o carnaval carioca: com o enredo A Verdade Vos Fará Livre, o carnavalesco Leandro Vieira imagina como seria se Jesus Cristo retornasse nos dias de hoje, vindo do morro da Mangueira.

No samba-enredo, os compositores Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo lembram a origem humilde de Jesus e protestam contra o extermínio de pessoas nas comunidades. Em entrevista, Manu da Cuíca explicou: Estão matando gente nas favelas. É o recado que Jesus dá com o retorno dele. Ele fala da favela que é o povo dele. O povo oprimido.

Samba-enredo Mangueira 2020
Créditos: Divulgação

A Verde e Rosa será a terceira escola a entrar na avenida no dia 23 de fevereiro, domingo, em desfile marcado para começar por volta das 23:45. E para todo mundo ficar bem afiado, resolvemos analisar a letra do samba-enredo da Mangueira 2020. Vem com a gente!

Análise do samba-enredo da Mangueira: A Verdade Vos Fará Livre

Assim começa o texto de apresentação do samba-enredo da Mangueira em 2020, escrito por Leandro Vieira, que dá aos jurados e ao público uma ideia do que esperar do desfile da agremiação:

Nasceu pobre e sua pele nunca foi tão branca quanto sugere sua imagem mais popular. Sem posses e mais retinto do que lhe foi apresentado, andou ao lado daqueles que a sociedade virou as costas oferecendo-lhes sua face mais amorosa e desprovida de intolerância.

Vamos agora dar uma olhada na letra do samba?

Mangueira
Samba teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também

Como adiantamos, a Mangueira foi a campeã do carnaval carioca em 2019 com um desfile fortemente marcado pelas críticas sociais. Dentre as personalidades históricas homenageadas, a principal foi Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018.

Marielle Franco homenageada no desfile da Mangueira em 2019
Marielle Franco homenageada no desfile da Mangueira em 2019 / Créditos: Divulgação

Com a vitória, a agremiação foi alvo de críticas e acusações. Por isso, o início do samba-enredo pode ser visto como uma resposta da Mangueira, falando sobre o quanto a escola permanece firme, forte e unida, sem se deixar abalar pelas más línguas.

Além disso, a letra é narrada em primeira pessoa por Jesus Cristo. Portanto, isso também significa que a Mangueira tem a bênção de Cristo.

Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra no Buraco Quente
Meu nome é Jesus da Gente

A explicação para a estrofe acima é dada no texto de apresentação do samba-enredo.

Misturando a história bíblica com a versão imaginada por Leandro Vieira, a letra lembra que a imagem de Jesus Cristo preso na cruz representa todos nós. Logo, ele não pode ser retratado apenas como uma figura branca e masculina.

Já o verso moleque pelintra no Buraco Quente, traz uma ambiguidade: o moleque pelintra, tanto pode ser o menor de idade maltrapilho que anda pelo Buraco Quente, local onde a Mangueira foi fundada, quanto uma referência a Zé Pelintra, entidade da Umbanda.

De qualquer forma, o que a composição afirma é que Jesus Cristo é homem, é mulher, é negro, é indígena e pode ter qualquer religião. Na versão moderna, ele é Jesus da Gente, nascido na Mangueira.

Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão

A história de Jesus da Gente traz referências às lutas de minorias por direitos civis. O punho cerrado, por exemplo, é um símbolo de resistência muito empregado por movimentos sociais.

A composição nos lembra, ainda, as origens humildes do Jesus bíblico, compartilhadas por muitas pessoas nas favelas e periferias.

Presépio
Créditos: Divulgação

Dessa forma, a letra defende que caso Jesus voltasse à Terra nos dias de hoje, ele nasceria pobre dentro de uma comunidade, vivendo ao lado dos mais oprimidos e protegendo os seus semelhantes.

Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão

Em seu retorno, Jesus se espantaria em ver sua imagem sendo exibida em tantos lugares — desde cordéis até a estátua do Cristo Redentor, localizada no morro do Corcovado —, e questionaria se o povo havia entendido mesmo a sua palavra.

Cristo Redentor
Créditos: Divulgação

No final, se sobrevivesse às estatísticas destinadas aos pobres que nascem em comunidades, chegaria aos 33 anos para morrer da mesma forma, diz o texto do carnavalesco. Ou seja, se vivesse nos dias de hoje, Jesus Cristo seria perseguido por quem prega a violência e a intolerância. No lugar de uma cruz, seria morto por um fuzil.

No entanto, a letra traz uma mensagem de resiliência, afirmando que nos períodos mais sombrios é que a esperança de um mundo melhor se fortalece.

Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem Messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço Fé na minha gente
Que é semente do seu chão

Aqui há uma referência à passagem bíblica em que Jesus fala sobre a maneira espiritual como vemos a vida:

São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! (Mateus 6:22-23)

No contexto da letra, pega a visão seria um alerta de Jesus da Gente para o povo, pedindo para que desistam de esperar que a solução venha de um Messias armado, às custas da morte das pessoas, e percebam que só há futuro possível através da partilha, da tolerância e do amor.

Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E Ressurgi no cordão da liberdade

Após a morte, Jesus da Gente ressuscitaria na Mangueira, durante o carnaval.

Ao longo dos três dias de festa, o Filho de Deus iria confraternizar com seu rebanho: quarando tambor, se livrando do fardo da cruz e brincando em total harmonia, na liberdade que só a verdade proporciona.

Um pouco mais sobre a Mangueira

Fundada em 28 de abril de 1928 por sambistas como Cartola, Zé Espinguela, Saturnino Gonçalves, entre outros, a G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira ganhou esse nome em referência à primeira parada do trem, que partia do Centro do Rio de Janeiro para o subúrbio, onde havia samba.

Brasão da GRES. Primeira de Mangueira
Brasão da Mangueira / Créditos: Divulgação

As cores verde e rosa foram escolhidas por Cartola em homenagem ao Rancho do Arrepiado, onde o músico passava o carnaval durante a infância. Além de Cartola, outro sambista emblemático da Mangueira foi o Mestre Jamelão, que atuou como intérprete da agremiação durante mais de 50 anos.

Uma das mais adoradas escolas de samba da cidade, a Estação Primeira de Mangueira é a segunda maior vencedora do carnaval do Rio de Janeiro, colecionando 20 títulos. 

Desfile das escolas de samba do Rio

E aí, gostou de saber mais sobre o samba-enredo da Mangueira? Apostamos que você não quer perder nada do desfile.

Para te ajudar com isso, vem saber todos os detalhes sobre o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro!

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